RESENHA LIVRO
“DEUS NO ESPELHO DAS PALAVRAS”
O autor
Antônio Carlos de Melo Magalhães, um dos mais respeitados teólogos protestantes do Brasil, fez seus estudos teológico no Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil, doutor em Teologia pela Faculdade de Teologia Evangélica da Universidade de Hamburg, Alemanha, diretor da Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, Professor Doutor da Universidade Estadual da Paraíba-UEPB, na Pós-graduação em Literatura e Interculturalidade e no departamento de Filosofia e Ciências Sociais. magalhães.uepb@gmail.com
A Obra
O autor, partindo da relação intrínseca entre fé cristã e literatura, estabelece o diálogo entre teologia e narrativa literária como algo fundamental para a compreensão e o desenvolvimento do próprio cristianismo. E isto se dá não apenas pelo fato de que este seja considerado uma religião do livro (Bíblia), mas antes pelo alcance que seus escritos, contos, narrativas, poesias etc. tiveram sobre a produção literária ocidental e como esta se tornou intérprete de elementos essenciais da fé cristã.
A Estrutura
O livro “Deus no Espelho das Palavras” foi escrito em oito capítulos, cada capítulos com diversas sub-divisões, tendo o foco narrativo voltado para a questão da teologia e literatura em 257 páginas.
Introdução
Durante todo o processo da introdução do livro o autor estabeleceu sempre uma explanação entre os textos teológicos bíblicos como literatura e como isso se disseminou na cultura ocidental. Mostrou relações do cristianismo com judaísmo e islamismo. Falou de maneira crítica sobre o êxodo hebreu, mostrando que a libertação do povo através da instrumentalidade de Moisés, implicou na perda de terras por parte do povo caananita. Da maneira como o tema do êxodo hebreu foi levantado pelo autor de “Deus no Espelho das Palavras” nos acorda para o fato de que o povo que ora estava em cativeiro é trazido para uma terra a qual, por sua vez, já tinha dono, deixando-nos uma percepção de perda.
A influência da igreja na arte sempre foi vista com certa desconfiança por parte dos artistas de literatura, devido à capacidade estética e ética da igreja ao longo da história no ocidente. Isso já traçava um roteiro de certa dificuldade da teologia como literatura. Para ratificar essa afirmação, o autor traz a citação de Marx: “ a presença da igreja nos relacionamentos é sinal de putrescência”, tal era a influência que a religião tinha nas artes e de como ela começava a ser rejeitadas pelos artistas. O autor faz uma amostragem do comportamento da religião nos grandes movimentos históricos das artes, como: iluminismo, romantismo. O autor estabelece em sua escritura sempre uma interação entre a religião e as artes em todos os movimentos históricos das artes no continente europeu, ora escravizando, ora libertando, ou melhor dizendo, dando sentido. Diz que a influência da religião nas artes, era uma influência nociva, como afirmavam muitos intelectuais da época. Traz alguns exemplos práticos desses vários conflitos ocorridos entre a religião e arte. Analisa o episódio acontecido em 1943 no aniversário de Alfred Doblin, quando o escritor fez referência a influência exercida da igreja em sua obra, muitas pessoas deixaram imediatamente o local do evento como protesto a colocação de Doblin. Diversos cuidados devem ser tomado, segundo o autor, para que não haja transferência de problemas de interpretação do contexto europeu para a nossa realidade latina.
Enquanto os intelectuais europeus vêem uma influência danosa da religião nas artes, a ponto de rejeitá-la, os americanos vêem a bíblia como o berço do pensamento ocidental, se por um lado, a crítica da escola européia se concentra mais no uso que as igrejas fizeram e fazem do material narrativo bíblico e no tipo de religião construído nas bases da ortodoxia, por outro, os dois norte-americanos (Harold Bloom e Jack Miles) se preocupam muito mais em constatar nas origens das narrativas bíblica uma herança literária ímpar na história do ocidente.
O autor faz uma viagem ao início do cristianismo para nos falar da crítica feita pela teologia a arte e a poesia, mais precisamente com os teólogos Tertuliano, Jerônimo e Agostinho, que usavam a filosofia como interlocutora para o fazer teológico.
Na comparação entre arte e fé, o autor faz um pequeno trocadilho para nos facilitar e explicar esse conceito: “se para uma tese apresentada Deus é um péssimo principio literário, para antítese, a arte é um péssimo principio de fé”
Menção importante é dada ao livro “Casa Grande e Senzala” de Gilberto Freire, dizendo que o livro em parte é uma sociologia da religião, e que Freire lançou mão de diversos recursos da literatura, para fundamentar suas teses. Magalhães diz que ainda não temos criado um diálogo entre literatura e teologia em nosso continente. Vejamos a citação do escritor Pedro Trigo: em primeiro lugar, a igreja está realmente fora do processo de transformação social, em segundo lugar, deve-se ao caráter liberal e positivista dos autores. O autor faz referencia a obra de Trigo dizendo que a imagem de Deus estaria associada ao patrão branco, e isso traria muitas dificuldades para um melhor entendimento entre a população das questões teológicas.
Ver os textos bíblicos como obra literária ao longo da história tem sido uma dificuldade muito grande por parte dos exegetas, que muitas vezes estão tão presos as questões teológicas que não conseguem enxergar ou não percebem nas passagens bíblicas, textos como uma de literatura. Magalhães em toda a sua escritura nesse livro demonstra o tempo inteiro a importância de se ler a bíblia tendo essa percepção.
O autor faz citação de diversos escritores que trouxeram em seus escritos ou em sua obra marcas importantes dos textos das sagradas escrituras, como na obra de Milton, onde é demonstrado que o mesmo usou de diversos símbolos e personagem bíblicos no seu escrito, ficando assim percebido a influência da literatura bíblica na vida deste autor.
A bíblia como obra literária: hermenêutica literária dos textos bíblicos em diálogo com a teologia, o autor cita algumas teses em comum em escritores que usaram a literatura bíblica em suas teorias: 1- A bíblia é interpretada como obra literária, o que implica em lê-la a partir das teorias literárias apropriadas, levando em conta tramas, personagens, estética, densidade narrativa. 2- A bíblia é lida em sua pluralidade de narrativas mas a partir de certa continuidade que existe nas biografias de seus personagens. 3- A bíblia é considerada obra basilar da literatura ocidental, emprestando-lhe temas, técnicas, personagens fortes, tramas sucintas mas cheia de suspense e criatividade.
O autor nos informa que em muitos países do mundo a bíblia nunca foi vista como obra literária e que no Brasil também sempre foi assim encarada. Na verdade muitos autores apresentam divergências na interpretação da bíblia como literatura. Enquanto uns louva a javista como gênio literário, outros não estão preocupados com a visão parcial do texto.
Sobre a questão teopoética Magalhães nos traz a citação de Rubem Alves: “a poética não é somente um objeto material a ser estudado pela teologia, mas o melhor meio de resgatar verdades essenciais da fé cristã e as formas como apresentá-las”.
Em fim, o autor traz sempre a figura do êxodo como um paradigma muito forte fundante da tradição judaico-cristã, devido a isso, jamais a teologia poderá ser acusada de cuidar apenas dos limites eclesiásticos. Os limites da igreja e da teologia são os limites do mundo.
Magalhães fala de um método onde a Bíblia e a tradição se tornam interlocutoras do diálogo, mas deixam de ser “normativas únicas do saber teológico”. Propõe o seu método, que chama de “método da correspondência”. Neste, a teologia dialoga com a literatura numa relação de igualdade sem que se percam as suas respectivas especificidades.
Assim descreve seu método: a cada elemento considerado da revelação na Bíblia e na tradição teológica, podem ser associados um ou mais na literatura mundial. A cada narrativa considerada compreensão da fé, há que se associar outra na experiência das pessoas e nas interpretações literárias.
Para Magalhães “Deus tramita no espelho das palavras” e não apenas na Bíblia e na tradição. Sendo assim, a literatura pode oferecer uma autêntica leitura teológica da vida.
Da forma como foi escrita essa obra, isto é, numa linguagem bastante acadêmica a recomendo apenas para estudantes afins e teólogos, pois os seus textos são voltados para um entendimento dos textos bíblicos como literatura e uma abordagem de textos literários numa visão teológica.
Referência Bibliográfica
MAGALHÃES, Antonio, Deus no Espelho das Palavras; Teologia e Literatura em Diálogo, 2ª. Ed. São Paulo: Paulinas, 2009.257p.
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